domingo, 28 de junho de 2009

X Moradias - intervenções teatrais em residências




Lá vou eu bem acompanhada comigo mesma assistir ao espetáculo-intervenção-itinerante X-Moradias. Um projeto em que artistas de várias partes do mundo - inclusive brasileiros - foram convidados para conceber intervenções teatrais em residências, muitas vezes com a participação dos moradores. Realizado pelo Sesc, pelo Instituto Goethe e pela Interior Produções Artísticas, é uma adaptação do projeto X Apartments, criado pelo diretor de teatro alemão Matthias Lilienthal.

Para minha surpresa os ingressos já haviam esgotados desde o dia anterior. Aii meu Deus, São Paulo não é Salvador..aqui nessa cidade de milhões de habitantes solitários, as pessoas definitivamente vão assistir a todo tipo de coisa, além do mais o 'X-Moradias' teve o apoio do Sesc e foi muito bem divulgado.

Então, no ápice do meu otimismo avisei a todos da produção que eu estava na lista de espera-desistência (que já não existia) sentei em frente ao balcão, abri meu livro 'Madame Bovary' e comecei a ler para passar o tempo e esperar que o acaso me fizesse uma surpresa agradável.

Tempo

Arrááá!!

Como uma boa libriana de sorte que sou, não é que surgiu uma alma caridosa-libertária! Um rapaz de nome bem diferente veio até mim e perguntou se eu não queria comprar o ingresso da amiga dele que não pode ir. Rá! Fui.

Agora é importante explicar o procedimento do evento. São 3 roteiros, 1.Higienópolis-Sta cecília, 2.República-Vila Buarque e 3.Consolação-Bela Vista. O público sai de 10 em 10 minutos e sempre de duas em duas (pessoas). Três não pode, faz parte do regulamento! E um é sem graça. Daí vale a máxima: 1 é pouco, 2 é bom e 3 é demais!

Então, ali naquele momento aqui-e-agora ele e eu fomos andar pela cidade no circuito 1. tenho que admitir...experência única e intransferível. Os roteiros deviam ser seguidos a pé, o percurso tinha aproximadamente 2 km e durava 2h15min. A permanência em cada apartamento era de 10 minutos. Recebemos um mapa com todas as informações necessárias, inclusive telefone para emergências e coisa e tal.

Tínhamos que visitar 7 residências, sendo uma delas foi cancela porque um morador do prédio não gostou muito da idéia de ter tantos visitantes desconhecidos. Daí o Sesc transferiu a interferência para o terraço do próprio prédio (Sesc Consolação).

1ª parada - Elisa Ohtake
No terraço do prédio do Sesc, vestidos com colete à prova de balas e óculos coloridos de coração e armados com pistolas d'água atirámavos na cidade caos. Essa era a proposta, uma guerrilha de amor e ódio para São Paulo. Flores, bolas e danças como uma guerra silenciosa de verdadeira paixão pela babilônia.

ok, acabou, as bolas davam um colorido ao céu escuro e com nuvens negras-pesadas. ali o adeus a primeira etapa daquela viência. adeus as janelas e o que havia de vida dentro delas.

descemos

agora sim, começa a caminhada.

no roteiro líamos:

''Saia do Sesc e vire à esquerda, ao chegar a esquina...''

esse era o tempo de conversa, e pra quem não se conhece esse era o momento de saber: da onde vem essa criatura? ambos éramos publicitários, e pelo que percebi, ambos de saco cheio!

2ª parada - Daniela Thomas

Explorem o apartamento..era essa indicação. Televisão em todos os cômodos e os morados conversavam por elas. O homem da cozinha preparava algo e a mulher na sala via o que ele estava fazendo pela tv. Câmeras. Ela tinha um binóculo na mão e ficava vigiando a vida alheia pela janela...coisas da vida.

3ª parada - Alvise Camozzi / Rachel Brumana

Apartamento de um casal, camisas penduradas, textos escritos nas paredes, fomos recebidos pela empregada que já tinha morado na Itália. Ela fazia questionamentos, fazía-nos pensar sobre coisas, reclamava do patrão, até que o casal nos convidou para entrar na cozinha. A mesa posta pro jantar, na hora de oferecer uma entrada...era a hora de sair.

3ª parada - Torsten Michaelsen

Aqui recebemos uns aparelhos de áudio que nos guiavam e ditavam o que devíamos fazer. cada um tinha seu caminho. Enquanto eu tiha que deitar no chão e olhar pro teto, ele explorava a cozinha e quartos...e mais questionamentos sobre a vida, o cotidiano, a moradia, os sons...até que a gravação avisa que tudo acabou e que devíamos deixar o apartamento.

No caminho, entre um lugar e outro falávamos das nossas impressões, e empolgados nos perdíamos pelo caminho.

4ª parada - Letícia Sekito

Era um trailer num estacionamento, outro tipo de moradia, uma Japa nos ofereceu chá, doces, leu uma carta para aquele nosso momento aqui-e-agora. A carta era 'o avarento'. Dançou para nós..era leve e tranquilo, outro ritmo..saímos de lá meio que flutuando...

5ª parada - Simone Mina

Mais de 50 pássaros no apartamento.
Uma recepção nada calorosa, as moradoras reais pareciam de saco cheio em receber pessoas desconhecidas, bebiam vinho. Uma vitrola tocava um disco de música clássica...me fez lembrar meu antigo apartamento em Salvador. Cheio de coisas antigas decorativas...a vitrola...

6ª e última parada - Rodrigo García

No quarto um beliche, cada cama um caixão, cada caixão um fone, cada fone uma cadeira...dos fones ouvíamos depoimentos, pessoas falando de suas vidas, seus sonhos, seus destinos, seus amores. E a gente de frente pros caixões (de defunto mesmo!), não tinha como não pensar no que eu estava fazendo de minha vida, quais eram minhas preocupações diárias, meus sonhos, meus amores e que depois de tudo, todos iam pro mesmo lugar...como no xadrez, no final do jogo o peão e o rei vão pra mesma caixa.

...e um depoimento me chamou mais a atenção, o sonho da garota era conseguir viver de teatro..e ali era eu, naquele universo de pessoas solitárias...e o que estou fazendo? Acho q estou no caminho certo, pois pra seguir o caminho certo é só ouvir a voz do coração.

Uma grande experência
E quem um dia irá dizer que não existe razão nas coisas feitas pelo coração?

O teatro liberta e alimenta a alma.

Vá ao teatro!

domingo, 7 de junho de 2009

Manifesto do Teatro Essencial


Eu estava pronta desde às cinco horas.

Meu instinto me dizia: vá cedo que hoje vai lotar! As pessoas só deixam pra ver as coisas no últmo dia, em cima da hora.

Mas então fiquei.
Ficamos esperando ele..que demorou..achavam que tava cedo demais.
Chegamos no teatro...estava LOTADO! Não tínhamos a chance de entrar. Fila ENORME! Daí me perguntei: Porque não segue seu instinto?

Furamos a fila. Que bosta!
Abriram outra sessão. Que sorte! Que compaixão!

Esperamos mais uma horinha.
Entramos.

Que mullher é essa?
DENISE STOKLOS!
Cada falange, fio de cabelo, unha, pele, ossos, caras, bocas, olhos..tudo nela fala, expressa, dialoga.

No palco, o mínimo
nela, o máximo!

Como foi bom revê-la.
Saí de lá excitada, excitante, exctaziada, cabeça fervilhante, quero isso, quero assim, intensa!

Chegando em casa, comecei a escrever feito louca e voltei pra seus escritos, aqui vai parte de seu manifesto:

O Teatro Essenial de Denise Stoklos:

"Irati. Ir a ti. Pequena cidade do sul do Brasil onde nasci. Parece uma bacia, se diz. Parece sim, com aquelas montanhas ao redor do vale onde estão as casas. Da minha, eu via os campos de trigo lá longe e pensava: deve haver algo a mais, além daqui.

Senti o mesmo com o melhor teatro que encontrei. Pensava: deve haver mais, além. E tem. O a mais é o que está sempre vindo. Dentro desta disposição dialética me sinto livre.

O que me encanta no teatro é esta possibilidade de escolher. Assim, escolho para mim o Teatro Essencial. E o estabeleço como meu. Aquele teatro que tenha o mínimo possível de efeitos, o mínimo. E que contenha a máxima teatralidade em si próprio. Que na figura do humano no palco se realize uma alquimia única: aquela em que a realidade da representação (da reapresentação) é mais vibrante que o próprio tempo cronológico. Que critique esse tempo, que revele esse tempo. Que nesse fim de século o teatro possa reafirmar o sentido essencial como bem mais evidente que matéria descartável. Quero trocar a fantasia da composição teatral pela presença viva do ator. Acredito na relação de nova realidade que se faz na força da presença viva do ator, engajado na história com suas idiossincrasias, sem recursos do fabricado, limpidamente como água na fonte. Os valores do palco muitas vezes estão povoados de valores de bastidor, de camarim. Quero o palco nu. Os figurinos, cenários e discursos radiofônicos muits vezes acoplam parasitárias imagens no ator. Não quero decoração.

Quero no seco. Com raiva decreto o fim do excesso. A pirotecnia mente. Quero sinceridade.

No lixo o broche. No palco o peito.

O ritmo e o espaço em si trazem diagramas teatrais vertentes de riqueza. Cervantes e a palavra, Beethoven e a nota, o teatro e o ator... De Irati a Londres, Pequim, Zurique, Nova Iorque, Nova Delhi, permanece a idéia dos campos de trigo. Em qualquer lugar eu os vejo no horizonte me provocando o pensamento: deve haver mais, além.

Como atriz, diretora, autora, minha preocupação sempre é o poder, as injustiças sociais, os comportamentos padronizados, a estética e a ética rançosa do sistema patriarcal capitalista.

Cada vez mais estou menos interessada nos movimentos microcósmicos da sociedade. Cada vez menos cultivo ídolos. Cada vez menos acredito no best-seller. O senso comum está desmistificado no Brasil que pára para ver novela. Que elege seus mitos com os mesmos parâmetros com que reclama, invariável e passivamente, do governo. Essa sociedade que se protege no útero do padrão. Cada vez mais estou mais anarquista. Cada vez mais rio dos políticos (dos de profissão e dos de atuação). Cada vez mais me salvo pelo caminho pessoal, individual, único. Aos meus ex-alunos sempre digo, se me perguntam o que fazer: inventem, porque os princípios estão rangendo, há algo de podre em todos os lugares. Trabalho pelas gerações que virão, não tenho a menor crença no resultado imediato. Mas sei que o Teatro Essencial altera algumas bases do nosso teatro. Já não fico bêbada com o sucesso. Apenas mais científica sobre as platéias. Nem as conquistas de mídia me seduzem. Não me delicio com o deslumbre. Quero uma organização mais limpa da comunicação. Que se respire menos barrocamente nesta área.

Odeio a maior parte das regras de nossa organização social. Considero antivida, com cheiro de mofo, todos os cânones comportamentais, o gosto da estética burguesa, a despersonalização de colonizado. A morna atitude de nossa nação mediocriza nossa experiência vital. Aí nossa cultura reflete esse cômodo respirar consumista, essa falta de diversidade. Esse pequeno clube de interior, que é nosso ambiente cultural, se ressente. Ser artista aqui exige que se enfrente o solitário desejo pessoal de mudar, de inventar, de renovar. Quanto ao mercado, sobreviver dentro dele já é outra perspectiva. Igual a qualquer outro mercado. Acrescido do abandono do que seja arte numa Republiqueta.

(...)

Não dispenso a chance de manifestar-me na expansão do meu feminino, que é peculiar, que é único. Meu trabalho é o de uma mulher no século XX. Como não ser especial? Não, não dispenso meu trilho do feminino. Temos toda a História sendo escrita. Somos nova, frescas e fortes.

Não esqueço a miséria do Brasil, da miséria latina. A miséria do não-pão, da miséria do egoísmo, a miséria dos ideais, a miséria cultural, a miséria televisiva, a miséria das relações humanas, a miséria da saúde, a miséria dos sonhos, a miséria da loteria, a miséria dos enganos, dos remédios, do desespero, da solidão. A tragédia brasileira. Os cambodjas cotidianos nos hospitais do Brasil. As chernobylls escorrendo das favelas, nos trens da Central. O heroísmo largando a capa e a espada, saltando para a página documentária. Olho no olho da pobreza, cheiro de sujeira e fome, muita fome, em todas as classes do Brasil. De pão com vitamina, do faisão de uma boa música. Fome e ecologia gritam nas escadaria do palácio do Planalto, inutilmente. Gritam na História. Artista tem ouvido de tuberculoso. Político é sadio. As pessoas pensantes, não as que não gostam de pensar, mas as que saboreiam o cérebro e acariciam a alma, estão muito preocupadas. Com o vírus, com o fim. Tudo está muito urgente agora. Os valores se atropelam. Há muitos espetáculos de teatro que olho e penso: mas isso é pré-Aids, agora não é mais assim.

(...)

Minha idade é massa, minha idade é bela. Nela não se é mais predicado nem sujeito. A gente vira verbo de si própria. A gente vira agente.

Que bom que não fiz nenhum festival da canção antes. Estou mais apta hoje, para os inimigos. Me sinto mais categorizada com a raiva sem fim que trago contra a banalização, o superficial. Me sinto geração eleita ser a última de meia-idade deste século redondo, o vinte. Para nós reservou-se o pior. Por isso fomos tão violentamente treinados em nossa juventude precoce. Convivi muito com o suicídio mental para despertar hoje os princípios da sobrevivência com know-how. Escolher e alimentá-los. A ilusão morreu nos primeiros vagidos do sucesso. Depois recolhemos a placenta e a comemos como vaca. Amamentou-se o feto. Deu no que deu: maturidade. Aceito o fim do meu século como presente de poderosos: somente kharmas autônomos o enfrentarão com criatividade e vitalidade. A verdade hoje assumiu-se como passaporte para o século XXI. Me lembro de um dia, nos anos 60, em que escrevi: "O astronauta americano hoje pousou na lua. O monopólio estendeu-se pelo universo".

Hoje, duas décadas de guerras, me considero vitoriosa na resistência, com uma família bem especial, um teatro pessoal e absurdamente feliz.

Londres, Pequim, Zurique, Nova Iorque, Nova Delhi, Rio. Feito égua selvagem, me recuso a sair do pasto de Irati. É de lá que vejo os campos de trigo."

Denise Stoklos - Março de 1987

quarta-feira, 3 de junho de 2009

CRONISTA: FILHO DE CRONOS COM ISHTAR.




(domingo, 13 de Setembro de 1993)

Uma das coisas que eu mais admiro em alguém é o humor. Nada a ver com a boçalidade. Alguns me pedem crônicas sérias. Gente... o que fui de séria nos meus textos nestes 43 anos de escritora! Tão séria que meu querido amigo, jornalista e critico, Jose Castelo, escreveu que eu provoco a fuga insana, isto é, o cara começa a me ler e sai correndo pro funil do infinito. Tão seria que provoco o pânico. E nestas crônicas o que eu menos desejo é provocar o pânico... Já pensaram, a cada segunda-feira, os leitores atirando o jornal pelos ares e ensandecendo? Já pensaram o que é isso de falar a sério e dizer por exemplo: que é isso, meu chapa, nós vamos todos morrer e apodrecer (ainda bem que não é apodrecer e depois morrer, o lá de cima foi bonzinho nesse pedaço), tu não é ninguém, meu chapa, tudo é transitório, a casa que cê pensa ser sua vai ser logo mais de alguém, tu é hospede do tempo, negão, já pensou como vai ser o não ser? Tá chateado por que? Tu também vai envelhecer, ficar gling-glang e morrer... (há belas exceções como o Bertrand Russel fazendo comício aos 90, mas tu não é o Bertrand Russel). Até o Sartre, gente, inteligentíssimo, ficou na velhice se mijando nas calças e fazendo papelão... Se todo mundo pensasse seriamente no absurdo que eh tudo isso de ser feito de carne, mas também olhar as estrelas, de ter um rosto, mas também aquele buraco fétido, se todo mundo tivesse o habito de pensar, haveria mais piedade, mais solidariedade, mais compaixão e amor.
Mas quem é que vocês conhecem que pensa? As mães que nos colocaram no Planeta pensaram? Claro que não. Na hora de revirá os óinho ninguém pensa. Só seria justificável parir se teu pimpolho fosse imortal e vivesse a mão direita Daquele. Mas teu pimpolho também vai morrer e apodrecer não sem antes passar por todos os horrores do Planeta. Tá jogando fora o jornal, benzinho? Então vamos brincar de inventar uma nova semântica:
Semântica – Antologia do Sêmen
Solipsismo – Psiquismo Solitário
Hipérbole – Bola Grande
Xenofobia – Fobia de Xenos
Ligadura – Liga das Senhoras Catolicas
Ânulo – Filete colocado por sob o bocel da cornija do capitel dórico
Bocel – Corruptela de Boçal
Ânus – Pronuncia errada de anus (ave da família dos cuculídeos)
Ku – Lua em finlandês
Cou (Pronuncia-se Cu) – Pescoço em Frances
Hipocampo – Campo de Hipismo
Proclamas – Alvoroço de amas
Misantropia – Entropia do Méson Mi
Democracia – Poder do Demo
Paradoxo – Oxiúros em estado de repouso (parado)
Republica – Ré muito manjada
Bom dia, leitor! Tá contente?

Contente – Filho do ente do Heidegger (informe-se) com Cohn-Bendit (informe-se).

>>Hilda Hilst